MUNDO SEM FIM

      

    Renan é de Curitiba, mas estava vivendo há alguns anos em São Paulo, trabalhando em uma empresa de informática. A Michele é paulistana e trabalhava em uma empresa de treinamentos. Se conheceram havia 3 anos quando decidiram largar tudo e cair na estrada. O Mucuvinha (bichinho de pelúcia) foi um presente que a Michele deu para o Renan logo que se conheceram, e tem viajado com eles para todos os lados.
        Atualmente, depois de 1 ano e meio na estrada, Rena está com 32 anos, a Michele com 33 e o Mucuvinha com 4 e os ‘três” compartilham com a gente essa história.

 

De onde surgiu a ideia dessa viagem?
Há cerca de 6 anos atrás, fiz meu primeiro mochilão. Foi uma viagem de 20 dias que fiz durante as férias, passando por Peru e Bolívia. Nesta viagem conheci outros mochileiros, que já estavam viajando há meses.
Até então, jamais havia me passado pela cabeça a ideia de alguém largar o emprego para viajar, mas acabei ficando interessado e prometi a mim mesmo que, quando saísse da empresa onde trabalhava, tiraria uns 3 meses para conhecer a América do Sul.
Aconteceu que mudei duas vezes de emprego (fui até morar em São Paulo) e nada de realizar aquele sonho. Mas ele permanecia. Quando conheci a Michele, contei sobre a minha ideia, e falei para ela ir juntando dinheiro. Não sabia quando nem como, mas que se surgisse a oportunidade faria tal viagem. Para minha surpresa, ela prontamente concordou, e começamos a planejar juntos.
Lemos vários livros sobre pessoas que deram a volta ao mundo por alguns anos. Aos poucos, aquela pequena viagem de 3 meses pelo nosso continente foi crescendo, até que pensamos: "por que não viajar o mundo todo?".
Ao cabo de 3 anos, já tínhamos tudo pronto para cair no mundo.

Porque vocês decidiram largar tudo para viajar o mundo?
Nós vivíamos praticamente a mercê das férias: trabalhávamos o ano todo para viajar 1 mês. Mas essas pequenas viagens já não estavam mais sendo suficientes para saciar nossa vontade de conhecer o mundo. Isso, aliado à insatisfação no trabalho e ao nosso sonho de viajar, fizeram com que tomássemos a decisão.

Como foi tomar a decisão?

Em 2015 já estávamos decididos a largar tudo e cair na estrada. Mas, como sempre, faltava aquele empurrãozinho para sairmos da zona de conforto. Sempre decidíamos adiar um pouco mais para juntarmos mais dinheiro.
O empurrãozinho veio em maio: a empresa onde a Michele trabalhava mudaria de endereço, e ficaria impossível para ela ir e voltar de um lugar tão longe. Decidimos que seria a hora de sair: ela pediu aviso prévio e eu avisei no meu emprego que trabalharia mais uns 3 meses e então sairia para viajar.
Para nossa sorte, a minha empresa decidiu que seria melhor me demitir. Assim, eu receberia também uma boa grana com o acerto.

Coincidentemente, minha demissão aconteceu no mesmo dia que a Michele cumpria seu último dia de aviso prévio. Poderia haver um sinal maior?

Quanto tempo e como foi a etapa de planejamento?
Já tínhamos bastante conhecimento e inspiração adquiridos dos livros que líamos, mas o planejamento de verdade mesmo começou a partir do dia 20 de maio, quando ambos ficamos desempregados.
Aí começou o trabalho: tirar visto, vender nossas coisas, comprar equipamentos novos, etc. Só saímos mesmo 4 meses depois, no fim de setembro, com um esboço do roteiro (que mudamos várias vezes pelo caminho).

Qual foi a reação da família e dos amigos aqui no Brasil quando vocês anunciaram o projeto?

Os amigos ficaram muito empolgados, e nos deram a maior força e as melhores energias que alguém poderia receber. Fizemos várias despedidas com eles.
Com relação à família, acho que no caso da Michele foi a etapa mais difícil da preparação. Ela ainda morava com sua mãe, e por isso a despedida foi bastante difícil. Mas com o tempo a mãe dela foi aceitando e curtindo a ideia, e hoje já até pegou o gosto por viajar também.
No meu caso foi um pouco mais fácil. Eu já morava sozinho e meu pai já fez viagens parecidas. Me deu todo o apoio necessário.Os demais familiares sempre nos apoiaram.

Há quanto tempo estão na estrada?

Saímos no dia 29 de setembro de 2015.

Vocês juntaram dinheiro para essa viagem? Como foi isso?

Tanto eu quanto a Michele começamos a trabalhar bem cedo. Como mantínhamos um estilo de vida simples, acabávamos juntando boa parte do nosso salário, sem saber exatamente para quê.
Quando nos conhecemos, já tínhamos uma boa reserva na poupança, o que facilitou muito a nossa saída. Com a ideia da viagem, apertamos mais os gastos para juntar ainda mais. Vendendo tudo o que tínhamos, conseguimos arrecadar um pouco mais, o que permitiu que viajássemos por tanto tempo.

Como vocês fazem com dinheiro durante a viagem? Vocês têm alguma fonte de renda no Brasil?
Não, viajamos com o dinheiro que juntamos. Já chegamos a oferecer ajuda em troca de hospedagem e alguns passeios, mas dinheiro entrando mesmo praticamente não há.
Ganhamos alguns centavos por dia com o blog e vendendo fotos pela internet, mas ainda está longe de ser uma quantia considerável.

Vocês saíram com algum roteiro pré-definido?

Tínhamos um esboço. Rabiscamos uma possível rota em um mapa, e imaginamos que cumpriríamos aquele roteiro em 3 anos. Já passou metade do tempo e ainda não fizemos nem a quarta parte do que havíamos planejado. Parece que a viagem vai durar um pouco mais do esperado...

E por onde já passaram até agora?

Fizemos a América do Sul, e agora seguimos pela América Central. Os países por onde já passamos (em ordem) foram: Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Panamá e Costa Rica (onde estamos atualmente).

Onde vocês costumam se hospedar?

Onde quer que seja. Na Argentina fizemos muito CouchSurfing e acampamos bastante. No Chile ficamos mais na casa de amigos que conhecemos na estrada. Daí em diante ficamos mais em hotéis e hostels mesmo, pois eram econômicos.
Na América Central começamos a usar o AirBnb, e até agora tem sido uma boa experiência.

Quanto tempo pretendem ficar fora?
A ideia inicial era ficar 3 anos, mas agora já não temos mais ideia de quanto tempo mais viajaremos. Tomara que toda a vida!

Qual foi o lugar que vocês mais gostaram até agora? Por quê?

Impossível escolher um só! Cada país nos surpreendeu positivamente em vários sentidos. A patagônia, a selva amazônica, a cultura andina, o caribe, as cidades coloniais colombianas, as ruínas do Peru... tantos lugares impressionantes!

 

 

Qual foi o maior perrengue ou maior susto da viagem até agora?

Diria que o maior perrengue e o maior susto aconteceram na mesma situação.
Na Venezuela, conseguir trocar dinheiro era algo bastante complicado, pois o bolívar (dinheiro venezuelano) está tão desvalorizado e as pessoas não tem grandes quantidades em espécie.
Depois de muito tentar, finalmente conseguimos trocar 100 dólares. Estaríamos bem por alguns dias, até que, naquele mesmo dia, no pronunciamento noturno, o presidente do país declarou que, dentro de 72 horas, as notas de 100 bolívares não valeriam mais. E praticamente todo o nosso dinheiro era de notas de 100!
Depois de muita correria, por sorte um venezuelano de bom coração deixou depositarmos o dinheiro na sua conta e irmos usando seu cartão de débito até a situação se normalizar.


E a maior surpresa?
Não saberíamos citar um fato específico, mas podemos dizer que uma surpresa foi a facilidade de se viajar de carona e as amizades que fizemos desta forma.
Nunca havíamos viajado assim antes, e tínhamos dúvidas se realmente alguém parava para quem está com o polegar levantado à beira da estrada.
A experiência não apenas deu certo, como foi maravilhosa: acabamos recorrendo grande parte do percurso assim, principalmente na Argentina e no Chile. Incontáveis vezes dormimos na casa das pessoas que nos levaram, e muitas dessas amizades levaremos para sempre.

Que legal, em Israel viajamos 5 meses de carona e foi incrível!

Muita gente acha que tem que ter muito dinheiro para viajar o mundo. Precisa ser milionário pra viajar o mundo?
Não. Nós mesmos não chegamos nem perto de ser milionários.
No caminho, conhecemos muita gente que saiu de casa com pouco dinheiro e já está há anos na estrada, trabalhando com o que seja e se virando do jeito que dá. Viajar sem dinheiro não é fácil, mas não é impossível.
Só recomendamos ter uma quantidade suficiente guardada para poder voltar pra casa em alguma situação de emergência.

 

Nossa primeira grande “mochilada” foi de casal e todo mundo perguntava para gente como era viajar de casal. Para vocês, como é viajar de casal?
Pode parecer engraçado, mas nos damos melhor agora, que passamos praticamente as 24h do dia juntos, do que antes, quando cada um morava em sua casa. Nestes 18 meses de viagem, não brigamos uma vez sequer.
Nós dois entendemos que, para fazer este tipo de viagem, é preciso abrir mão do orgulho. Dependemos um do outro e precisamos tomar as decisões juntos. Não temos tempo para guardar rancor ou ficar de cara feia, pois isso arruinaria a viagem. Se um está ficando nervoso, basta o outro se afastar por uns minutos para que a pessoa esfrie a cabeça. Sempre funciona.

 

Quais foram os maiores aprendizados dessa experiência até agora?
O que aprendemos de história e geografia nesta viagem não cabe em uma enciclopédia, mas acho que o maior aprendizado mesmo foi em relação às pessoas. Vendo tanta desgraça na TV, temos a impressão que o mundo já não tem mais solução. Porém, conhecendo tanta gente diferente, das mais diversas culturas e de diferentes níveis sociais, vemos que há muita gente boa, e que a maldade é uma doença que atinge apenas uma minoria.
Praticamente todas as pessoas que conhecemos eram pessoas boas e estavam dispostas a fazer o que fosse preciso para ajudar a quem quer que fosse.

 

Quais paradigmas foram quebrados na sua vida com tudo o que vocês estão vivendo?
Há uma ideia equivocada de que é preciso ser rico para ser feliz. Cada dia que passa, temos mais certeza de que essa afirmação é uma grande bobagem.
Estamos vivendo os dias mais felizes de nossas vidas, mas isso não diz respeito somente a nós. Passamos pelas regiões mais humildes do nosso continente, e percebemos que, apesar das dificuldades, muitas pessoas começavam o dia com um sorriso.  Em contrapartida, pessoas com boa saúde financeira muitas vezes nem dormem à noite por preocupações bestas. Vimos que jogar bola descalço nas ruas de terra é mais gratificante para uma criança do que jogar com uma chuteira importada na quadra de um condomínio. Que voltar da escola a pé é melhor do que esperar o pai chegar com o carro. Que uma bicicleta velha e sem freios nas ruas funciona melhor do que uma bicicleta importada dentro da garagem. Que um campeonato de pião é mais divertido que um de Playstation 4.
Acredito que nós mesmos, se estivéssemos viajando com mais dinheiro, não teríamos nos divertido tanto. Não comemos em restaurantes chiques, mas em compensação fomos convidados a jantar comidas típicas dentro de comunidades indígenas. Não conhecemos gente de todos os cantos do mundo nos hostels mais badalados, mas fizemos amizades sinceras acampando à beira da estrada ou buscando hospedagens dentro de algumas favelas.
Foram experiências que dinheiro nenhum compra.

 

O que pensam em fazer quando voltarem para o Brasil?
Sinceramente não temos ideia, e procuramos nem pensar muito nisso. Temos esperança de começar a ganhar dinheiro com o blog ou vendendo fotos para podermos seguir viajando.

Qual a dica que vocês dariam para quem está sonhando com uma viagem como essa?

Acho que a maior dica é começar a correr atrás o quanto antes. Não tratar este sonho como um sonho impossível (ah, se eu ganhar na loteria...), mas sim como um projeto de vida. Leia livros de outras pessoas que fizeram o mesmo, busque informações de cada país, aprenda ofícios que possam te ajudar na estrada. Coloque uma data para sair, e saia. Se o dinheiro não der para fazer uma volta ao mundo, faça uma volta pela América do Sul. Pelo Brasil. Pelo seu estado. Não importa.
Muitas das pessoas que conhecemos saíram com a ideia de viajar apenas 1 ou 2 meses, e agora já fazem aniversário na estrada. No caminho as coisas vão se acertando. As oportunidades vão aparecendo. Basta querer!

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